A Religião Cónia: Divindades Guerreiras
Seguindo ainda atentamente o trabalho de Varela Gomes, citamos mais uma passagem do seu artigo “Testemunhos iconográficos na Proto-história do sul de Portugal: smiting gods ou deuses ameaçadores”: “Foi possível atribuirmos, através da observação da sequência estratigráfica, técnica e estilística, à Idade do Bronze Final, uma cena pintada existente no Abrigo Pinho Monteiro. Este, situa-se nos contrafortes da serra de São Mamede, perto da Aldeia da Esperança, no concelho de Arronches (Portalegre)”.
“A cena que nos propomos agora tratar, e para a qual não detectamos nenhum contexto material, é constituída por dois antropomorfos. Um oferece corpo quase bitriangular, braços caídos e pernas dispostas em V invertido, encontra-se sobre o dorso de um quadrúpede esquemático e tem na cabeça um gorro ou tiara cónica. A parte inferior do corpo e metade das pernas parecem cobertas por um saiote. A identificação do quadrúpede é dado o seu grau de esquematismo, difícil de concretizar. Pois poder-se-á tratar de um equídeo controlado pelo antropomorfo através de uma rédea que este quase agarraria na mão esquerda, ou, antes, de um touro, cuja armação seria representada com certo grau de perspectiva, interpretação para a qual mais nos inclinamos. À esquerda, e pintado da mesma cor mas um pouco mais acima, encontra-se o segundo antropomorfo, ostenta na cabeça o que julgamos ser a representação de um capacete de cornos e, na mão esquerda, segura um bastão. Encontramo-nos, por certo, perante uma figuração de carácter guerreiro.”
Apesar do carácter pacífico dos povoamentos cónios, um carácter que podemos deduzir a partir da ausência de muralhas ou de qualquer outra estrutura defensiva, o certo é que são frequentes a referências a guerreiros entre os vestígios cónios, como aquelas que Varela Gomes descobriu. Não se tratando de uma sociedade guerreira, quem serão então essas personagens? Líderes tribais? Heróis míticos? Divindades Guerreiras? É difícil saber.
Podem ser vestígios de uma época de transição, de uma época em que a ameaça dos invasores célticos vindos da Meseta se começava a fazer sentir, o que explicaria a aparição de homens armados no seio de uma sociedade que não protegia as suas povoações. À parte esta questão, a presença do touro, aliás muito comum noutros locais arqueológicos do sul de Portugal, indica a existência de um culto contínuo desde o Neolítico.
A Religião Cónia: O Culto do Touro
São frequentes as representações de personagens com capacetes de cornos, de cabeças de touro, ou de outros elementos directamente relacionáveis com o touro. Temos provas físicas deste culto entre os cónios na necrópole de Fonte Santa (Ourique) onde não longe do Túmulo VIII Caetano Beirão encontrou uma máscara de cerâmica em forma de uma cabeça de touro, que se destinava obviamente a ser utilizada num ritual hoje desconhecido. Também no Túmulo IX de uma outra necrópole, desta feita a de Keition (Alcácer do Sal) Virgílio Correia descobriu associados a alguns enterramentos da II Idade do Ferro pequenos bovinos em argila. Não é impossível estarmos aqui perante uma influência oriental, trazida até à Península através de contactos comerciais.
De facto, este elemento é comum na civilização micénica, na Idade do Bronze cipriota. Também os soldados do Império Hitita são representados com estes capacetes no alto relevo de Ramsés II que comemora a sua vitória na batalha de Kadesh. Aliás, já Diodoro Sículo mencionava que o Culto dos Touros era comum entre os Iberos, algo a que Estrabão alude indirectamente na sua descrição do mito do roubo dos touros de Geryon por Herakles. Na Irlanda e em Inglaterra, a cabeça de touro era utilizada como um símbolo de adoração divina.
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A Religião Cónia: Deusa Salutífera, uma Deusa-Mãe
A confirmada presença fenícia não pode ter deixado de influência a religião das populações indígenas. O arqueólogo Mário Varela Gomes pode ter encontrado vestígios dessas influências em Garvão, conforme escreveria: “enorme depósito votivo secundário indica ter existido em Garvão (Ourique). Neste local prestava-se culto a uma divindade feminina do tipo da Tanit cartaginesa, senhora da luz, da felicidade, mas também da morte e da regeneração a quem se ofereciam ex-votos, alguns anatómicos, em ouro e prata, além de peças coroplásticas e grande quantidade de recipientes com diversas formas e funções.” Mas aquilo que pode indicar essa influência semítica é negado por se tratar de um santuário “céltico” e pelas características demasiado genéricas da divindade cultuada. A influência fenícia no sistema religioso cónio não parece ter sido sensível, algo que deve ter resultado da quase inexistência de mercadores fenícios no nosso território. Esta “Tanit” estará certamente ligada por laços genéticos ao culto neolítico da Deusa-Mãe, comum aos povos megalíticos que abundantes vestígios deixaram no sul de Portugal. Dada a aparente continuidade entre estes povos neolíticos e os cónios, e mantendo a negação do carácter exógeno da origem dos cónios – como as provas arqueológicas parecem indicar – é altamente provável que exista algum tipo de culto a uma divindade feminina testemunhado nas estelas inscritas cónias, um pormenor a que estaremos particularmente atentos na nossa tentativa de tradução.
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