terça-feira, outubro 21, 2008

"Algarviadas"

A AMÊNDOA FALHUDA

António Nunes


Por volta dos anos setenta (1970), teria a minha filha mais ou menos 8 anos, morávamos em Alverca do Ribatejo, onde eu exercia a minha actividade profissional. Num período das minhas férias, como era e ainda é tradição nos Algarvios, as ditas férias só podiam ser gozadas no Algarve.

Há uma expressão giríssima que é a seguinte: - A malta de todas as regiões do país, quando vai de férias diz que vai à terra. Vocês, Algarvios, quando chega essa época vão ao Algarve!...

Portanto pelas férias viemos ao Algarve, como já disse, a minha filha tinha oito anos.

Um dia na casa dos meus sogros, onde se praticava a linguagem, com um número bastante elevado de termos regionais, que eu deliberei chamar no meu Livrinho “ALGARVIADAS”. Onde se dizia normalmente farrobas, zêtonas, trigue, também figue e outros termos mesmo nossos, que agora não vou aqui espalhar.

A minha sogra ofereceu à minha filha, meia dúzia de amêndoas das de casca macia, daquelas que hoje poucas há, mas que se partiam a dente, quem tivesse boa dentição. A criança mesmo as amêndoas tendem a casca mol, viu-se aflita para partir uma, acabando por me pedir que as partisse.

Nesse meio tempo a avó perguntou à neta, se gostou das amêndoas, ao que a miúda lhe respondeu:

- Não sei vó!... Ainda não comi nenhuma!

Perante tal resposta a avó tornou a perguntar:

- Nêm ó men’s conseguiste partir uma?

A minha filha respondeu prontamente:

- Parti uma mas estava xôxa!

Aquela Avó que comia qualquer coisa ia morrendo engasgada. Tivemos que lhe dar a célebre receita - umas palmadinhas nas costas - para ajudar a desentupir o garganete.

Depois do desengasganço e já bem recomposta dizia:

- Ai esta criança, fala tão mal!...

-Môce tira as mãos das algebêras, vai trabalher débe!






O CIGANO COM O BURRO COXO


Quem conhece os ciganos e a sua conversa, quem vai na conversa deles está feito. Há o ditado popular que define bem a categoria dos ciganos, que é o seguinte:

“- Um olho no burro, outro no cigano”.

Eles para o negócio são peritos, são bem capazes de “vender” o pai e a mãe, ou os dois juntos, mas só entregar um, ou se possível nenhum.

Um dia numa feira um homenzinho do campo, foi vender um burro que estava velho e coxo. Mancava de uma pata da frente. Os ciganos fizeram negócio com o homem, compraram-lhe o burro e trataram de arranjar o burro. Tosquiaram-no, meteram-lhe uma albarda menos velha e, no que respeita ao coxear, trataram de amarrar à outra pata que não coxeava, um cordel e apertaram até o burro se encolher, pondo-o a andar coxeava das duas, o que dava ideia de ser um andar próprio daquele animal.

-Quem não é burro pensa assim. Cada burre coxêa à sua manêra.

Agora chegou a vez de os ciganos venderem o burro. Primeiro um cigano deu-lhe uma sova, para o animal ter medo dele. Sova essa que o burro, mal ouvia a voz do cigano queria fugir, dando ideia de vivacidade.

Foram ter com o tal homem, ex dono do jumento e mostraram-lhe o animal. Ele às primeiras impressões disse que era o mesmo burro, ao que os ciganos responderam:

-Ai vezinhe até fique mal desposte com a su conversa. Atão o vezinhe nã vêi qu’ é um alimal más nove, ... quer ver ele a andar, nã coxêa!

Puseram o burro a andar e o cigano que deu a surra no jumento aos berros, o pobre do burro cuidava de fugir mas não podia, estava seguro pela arreata, que também era nova. O nosso homem esteve um bocado a olhar para os malabarismos dos ciganos com o pobre do animal, até que disse que o burro tinha um andar esquisito. Voltam os ciganos com a retórica:

-Àí eu é que tou a fecar desquesite com a su conversa. Atão o burre é ó nã é benite, tem um andar todo vaidoso e o vezinho a pôr defêtos! Má tão quer ou nã quer comprar o burro?

O homem foi na conversa dos ciganos e comprou o burro, pelo dobro do dinheiro que tinha vendido. Burro não era o burro, burro foi o dono que foi na conversa da ciganada, acabando por comprá-lo.

Moral da história: - O comércio, ou negócio, é a prática da troca com um fim lucrativo.

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