segunda-feira, agosto 21, 2006

Tesouros arqueológicos - Miranda do Douro

Santuários rupestres pré-históricos mantêm-se inalteráveis desde há séculos, começando agora a ser desvendados e estudados pela arqueologia





Se olhadas sem atenção, parecem simples pedras. No entanto, algumas delas escondem “segredos” milenares, que começam agora a ser desvendados e dados a conhecer ao público. Os exemplos, em Miranda do Douro, de santuários rupestres que remontam à época pré-histórica, são muitos. Alguns têm vindo a ser descobertos recentemente, como nos explicou Hermínio Bernardo, investigador na área da Arqueologia.

O investigador, natural da aldeia da Réfega, em Quintanilha, teve a primeira experiência no terreno há mais de 30 anos, no Douro Internacional. Aqui tomou contacto com as afinidades que existiam entre os povoados de um lado e de outro da fronteira.

Talvez pela proveniência do meio rural, Hermínio Bernardo desde sempre se preocupou com as origens. A partir de então, começou a trabalhar com dois especialistas: Luís del Rey, especializado em Arqueologia, nomeadamente no Paleolítico; e Marciano Rodriguez, especialista no campo das religiões e da sociologia.

Acontece, muitas vezes, no campo da Arqueologia, “não dar valor ao que é nosso”. No entanto, Hermínio Bernardo, ligado aos dois especialistas da Universidade de Salamanca, conseguiu alertar para a temática, levando quem conhece o campo, “os pastores e boiadeiros”, a partilhar informação relevante sobre determinados achados.

Vistas sem atenção, não parecem mais que simples pedras. Se olhadas ao pormenor, conforme nos mostra o especialista, é possível decifrar traços muito específicos que fazem de determinados abrigos santuários rupestres.

“Os santuários existiam, mas não se viam, porque as pessoas esperavam ver construções”, explicou. Os santuários que Hermínio Bernardo nos mostra, em terras de Miranda, remontam à Idade do Ferro e revelam a presença dos Celtas na região.

A rocha é o elemento fundamental onde eram levadas a cabo intervenções que nos permitem distinguir perante que tipo de santuário estamos. Há os santuários para sacrifícios, para oferendas e os que são de juramentação, onde eram executados rituais de passagem.

Há ainda santuários que apresentam grafemas, símbolos não alfabéticos que o especialista acredita que encerrem em si “normas da comunidade”:

“É um código escrito ao qual não temos acesso mas que, conforme vamos descobrindo e comparando outros santuários, descobrimos semelhanças e símbolos iguais. Assim, concluímos que devem transportar informação a que apenas alguns membros da comunidade teriam acesso”, explica.


O trabalho de investigação é árduo, exige partilha de saberes e um certo “voluntariado”, conforme afirmou. “O que interessa é chegar a conclusões que nos permitam conhecer melhor as nossas raízes, e não estar à espera de recompensas”.

Um local rico em abrigos rupestres é a aldeia de Palaçoulo. Aqui, junto à ribeira, chamada “Ribeirica”, existem três diferentes tipos de abrigos que, ao longo dos séculos, foram respeitados pelos habitantes, pastores e lavradores.

“Ao longo dos anos, as gravuras foram respeitadas com uma certa sacralidade. Não foi ali feito um risco mais e esse respeito é que permitiu a preservação cultural e arqueológica da região”, apontou o especialista.

Curiosamente, os abrigos que se encontram na “Ribeirica” não são os que apresentariam, à primeira vista, as melhores condições. Contudo, “são os que estavam mais escondidos, o que revela o sentido de querer preservar o que lá estava escrito”.

Outra das características destas obras é que se situam, quase sempre, junto a cursos de água ou ao ar livre, como é o caso do santuário de “Pena das Casicas”, em Vila Chã da Braciosa, ou o abrigo de Aldeia Nova, o santuário de Ifanes ou São João das Arribas.

A descoberta de alguns destes achados arqueológicos deve-se, em parte, aos próprios detentores dos terrenos. Estes, achando elementos “diferentes”, contactam o especialista e, hoje em dia, não há aldeia onde Hermínio Bernardo não seja conhecido e bem recebido.

Um desses exemplos é a aldeia de Vila Chã da Braciosa, onde se encontra o santuário de “Pena das Casicas”, descoberto quando o dono do terreno limpou aquela zona.

Integrado no meio de árvores, num local próximo de onde seria então o povoado, este é um santuário que seria de sacrifício. A poucos metros, há uma rocha com uma ranhura “perfeita, extraordinária e inexplicável”, que se acredita ser delimitadora do local “sagrado”.

Tendo em conta que estes seriam povos celticizados, acredita-se que fariam rituais de sacrifícios. O especialista, pormenor a pormenor, “lê” na rocha: “é possível ver uma espécie de altar que seria, provavelmente, para colocar um animal pequeno. Matavam-no e o sangue escorria então para a pia. A rocha ao lado seria para queimar as vísceras do animal, até porque do conjunto de rochas era a única sem musgo”.

O entusiasmo e a experiência de Hermínio Bernardo crescem à medida que vai conhecendo melhor estes locais. Tal é “contagiante” para quem o acompanha.

Por exemplo, em Ifanes, no santuário da “Fraga da Rodela”, foi o próprio dono do terreno, onde o santuário se encontra, que pediu ao especialista que fossem tomadas diligências no sentido de preservar o local. A par disso, conta-nos o especialista que ainda teve o cuidado de limpar o acesso ao santuário para que as pessoas o pudessem ver dignamente.

“É muito positivo para a Arqueologia quando as pessoas compreendem que têm vestígios de valor nas suas propriedades e entendem que os outros devem conhecer e ter acesso”, sublinhou.

No caso do santuário de “Fraga da Rodela” já foi o pai do actual dono do terreno que achou aquela rocha “estranha”. Conta o especialista que os mais antigos a tinham como “um bebedouro para as vacas”. Curiosamente, esta rocha situa-se longe de qualquer ponto de água, mas tem uma estrutura que permite o armazenamento.

Hermínio Bernardo desvenda-nos outras curiosidades que fazem da “Fraga da Rodela” um santuário de juramentação. O especialista conhece de cor cada traço, cada especificidade dos santuários rupestres. Neste caso, a estrutura enorme inclui um banco, onde provavelmente as pessoas assistiriam à cerimónia. É possível observar umas toscas escadas em locais diferentes da rocha, bem como uma pia e uma concavidade onde seria colocada a mão, durante o ritual.

Durante o Festival Intercéltico, em Sendim, o especialista aproveitou uma manhã para mostrar o património a dezenas de pessoas. “Logo em Ifanes encontrei-me com pessoas que ficaram entusiasmadas com toda aquela simbologia e que querem trazer mais visitantes”, contou.

A esperança é que, no futuro, este património possa ser visitado através de um “turismo de qualidade, bem orientado, com roteiros próprios e guias que possam valorizar toda a região”.





 

1 comentário:

Anónimo disse...

Ola! Eu gostava de saber se há fotos sobre a "Pena das Casicas"!!?????????