Já referimos que foi Júdice Fialho o primeiro armador a utilizar o cerco de pesca a vapor, também designado “galeão”, que a sua primeira unidade daquele tipo se chamou “Portugal I” e que apareceu em 1899.
Os galeões eram barcos de grandes dimensões, com um cano muito alto, com tripulação numerosa e manobra difícil.
Quando o “cerco” tinha peixe apitava de forma que se ouvia bem da costa, o que fazia acorrer ao galeão uma série de barcas a remo e à vela, designadas os “buques”, que se encarregavam do transporte do peixe para terra enquanto o galeão continuava na faina. Muitas vezes os buques eram rebocados pelo próprio galeão.
Com o desenvolvimento da pesca e da indústria de conservas (de que chegaram a existir quatrocentas fábricas no País) sobreveio uma escassez de pescado4, deixando de ser compensador o uso dos cercos a vapor, que, só no Algarve, chegaram a ser 37 (13 em Vila Real de Santo António, 12 em Portimão, 9 em Olhão, 2 em Faro e 1 em Tavira).
Os barcos e as redes passaram a ser menores e consequentemente os gastos de produção (mão de obra incluída) diminuíram.
Os galeões cederam o lugar às traineiras, cujas despesas eram cerca de metade das que tinham que fazer-se com os cercos a vapor.
Os barcos de apoio às traineiras passaram a ser as enviadas, motorizadas e mais funcionais económicas no transporte do peixe para terra.
Ainda que sejamos necessariamente sumários, não queremos deixar de assinalar que Júdice Fialho se dedicou também à pesca do bacalhau, actividade a que dedicou cinco veleiros, todos eles designados Algarve (de I a V), e que o peixe capturado na Terra Nova alimentava as secas de Portimão, Olhão e Faro, como referem os jornais regionais dos anos vinte do século passado, sobretudo o semanário “O Algarve”, que se publicava em Faro, cidade perto da qual possuía uma propriedade rural (os Salgados, na zona do Rio Seco).
Entrou também no ramo das armações de sardinha e de atum, sector que vinha manifestando desagrado pela concorrência dos galeões, que rapidamente abasteciam o mercado.
No sector das armações foi importante a sua participação numa série de unidades – Bias, Torre da Barra, Torre Alta, Pedras Negras, Salema, Atalaia, Novas Ferrarias, Josefina, Cajados e Zavial – como referem vários autores algarvios, designadamente o Prof.Luís Filipe Rosa Santos
4 – NUNES, Joaquim António –em “Estudos Algarvios” – PORTIMÃO, Casa do Algarve, Lisboa, 1956, pp74/75;
5- ROSA SANTOS, Prof. Luís Filipe - A Pesca do atum no Algarve, Faro, 1989, pp 48/52
APONTAMENTOS SOBRE O SÉCULO VINTE ALGARVIO (XV) | |||
Temos estado a falar da indústria conserveira e da pesca e, como nos referimos ao séc. XX, destacamos o papel que no sector, e não só, jogou o maior empresário algarvio daqueles tempos – Júdice Fialho – que mesmo então não foi o pioneiro, papel que coube, como sabemos, a um grupo de industriais estrangeiros que no final do séc. XIX começaram a convergir no Algarve, atraídos pela abundância de peixe que escasseava nas suas regiões. Entre eles contavam-se os Delory, da Bretanha, que por 1880 se instalaram em Lagos e Olhão, os Parodi, Tenório e Ramirez, que se radicaram em Vila Real de Santo António, e Feu-Hermanos, industriais na Andaluzia, nomeadamente em Ayamonte, que vieram a possuir excelentes unidades fabris em Vila Real de Santo António, Olhão, Portimão, Porto Brandão e Setúbal. Estas actividades, que pelo menos no que às conservas por escabeche e por salga se refere, são mencionadas por Baptista Lopes , são antiquíssimas na nossa região. Por exemplo, os muçulmanos, povo que por cá esteve mais de quinhentos anos, foi muito activo na pesca do atum, sobretudo através das almadravas, nome que então designava as nossas armações. Foram eles, aliás, que nos legaram termos ligados à pesca, como as redes tarrafa e xareta, ou os peixes xaputa, atum e alfaquim, para além da conhecida alforreca. APONTAMENTOS SOBRE O SÉCULO VINTE ALGARVIO (XVII) A vida politicado início do século foi muito confusa, com grandes divisões parlamentares o que só viabilizava governos de coligação. Assim, ao Parlamento de 1906 (70 franquistas, 43 progressistas, 30 regeneradores e 4 republicanos), sucedeu outro, eleito em 1908 (63 regeneradores, 59 progressistas, 15 independentes (afectos a Ferreira do Amaral), 7 dissidentes, 7 republicanos, 3 franquistas e 1 nacionalista 1. Até final da Monarquia Portugal conheceu seis Governos: um em 1908 (Ferreira do Amaral), três em 1909 (Campos Henriques, Sebastião Teles e Wenceslau de Lima) e dois em 1910 (Veiga Beirão e Teixeira de Sousa). Foram tudo Governos de curta duração como, por exemplo, o do nosso conterrâneo Sebastião Custódio de Sousa Teles, que esteve em funções de 11 de Abril a 14 de Maio de 1909. A dança de ministérios não podia deixar de influenciar a vida no Algarve, como é natural num tempo em que havia escândalos bancários, como o do Crédito Predial (um desfalque de mais de mil contos) que fez cair o governo progressista de Veiga Beirão (nesse tempo os escândalos bancários podiam marcar irreversivelmente a vida dos Governos). A Veiga Beirão, que caiu em 26 de Junho de 1910, sucedeu Teixeira de Sousa (regenerador), que beneficiou da dissolução das Câmaras. O Banco de Portugal não interveio para evitar a falência que arrastou as figuras mais gradas dos progressistas e o próprio Veiga Beirão, tornando inevitável que Teixeira de Sousa fosse encarregado de formar Governo. No Algarve a preparação das eleições legislativas coincidiu com a mudança de governador civil - em 1 de Julho Lopes dos Reis cedeu o lugar ao deputado regenerador Teixeira d’ Azevedo. Para as eleições de 28 de Agosto 1910 candidataram-se os regeneradores, um bloco de oposição (progressistas, regeneradores henriquistas e franquistas) e os republicanos e os caciques do bloco aconselharam os correligionários a cortar os nomes dos candidatos de outros partidos mesmo que integrantes da mesma lista. Os resultados eleitorais ficaram assim distribuídos: - Bloquistas…34 660 votos, Regeneradores… 33 422 e Republicanos… 11 611, mas como para o Parlamento iam os seis individualmente a representação local acabou por incluir os regeneradores Ortigão Peres, José Roquette, Francisco de Bivar e Agostinho Lúcio e os bloquistas Manuel Soares e Frederico Ramires. Os republicanos não elegeram deputados mas eram muito elogiados pela “...sua intransigência a conluios e chapeladas” 2. Entretanto eram denunciadas as chapeladas dos bloquistas de Monchique, que, feitos com os governamentais, fizeram entrar na urna 1 044 listas quando só tinham votado 500 eleitores. Os bloquistas ganharam em Faro, Albufeira, Lagoa, Monchique, Olhão, Silves e Vila do Bispo, enquanto os republicanos venceram os regeneradores em Olhão e os bloquistas em Portimão, averbando boas marcas em Faro, Lagos, Olhão, Silves e Tavira. Os deputados eleitos em 28 de Agosto de 1910 não chegaram ao Parlamento pois o Rei, face às muitas irregularidades que entravaram o funcionamento do Tribunal de Verificação de Poderes, adiou a abertura solene das Cortes. E durante esse adiamento o antigo regime foi apeado pela Revolução de 5 de Outubro... 1 - VILLAVERDE CABRAL, Manuel - “Portugal na Alvorada do Século XX”, Lisboa, A Regra do Jogo, 1979, p. 252; 2 - “O Algarve, Faro, 4.Setembro.1910 Apontamentos sobre o Século Vinte Algarvio (XVIII) O único candidato das últimas eleições da monarquia a aproveitar alguma coisa com aquela pugna eleitoral foi o republicano Zacarias José Guerreiro, de Tavira, que foi nomeado Governador Civil. As eleições tiveram lugar em Agosto de 1910 mas o Rei, face às muitas aldrabices detectadas, deliberou adiar a abertura solene das Cortes, acto que se tornou desnecessário porque entretanto deu-se a Revolução do 5 de Outubro e, nestes termos, a monarquia foi-se… Um dos primeiros actos de Zacarias Guerreiro foi a escolha do Bernardo Passos para administrador do concelho de Faro, cargo que o ilustre homem de letras ocupou até à morte. Empossado pelo Conde do Cabo de Santa Maria, que desempenhava as funções de Presidente da Câmara de Faro, o poeta são-brasense foi, por seu turno, empossante da edilidade nomeada por Zacarias Guerreiro. Esta nova vereação era muito curiosa. Constituíam-na uma série de personalidades que já tinham pertencido a vereações monárquicas, inclusive o dr. José Emygdio da Conceição Flores, presidente do município em 1902-1903 que voltou a ser eleito para o mesmo cargo da primeira edilidade republicana. Esta mudança de campo político das pessoas mais destacadas da época parece ter sido uma coisa natural e que, aliás, tem feito escola. Acompanhando o activo virar de casacas que então se verificou também algumas das principais artérias citadinas mudaram de patrono - D. Carlos I, D. Amélia, Hintze Ribeiro e José Luciano foram substituídos na topografia citadina por nomes mais “adequados” - Cândido dos Reis, República, 5 de Outubro e Miguel Bombarda. Coincidindo com as furiosas mudanças de placas, também muitos conhecidos políticos locais viraram as casacas, embora muitos outros deixassem a actividade política porque se dissolveram, em Lisboa, os seus respectivos partidos, nomeadamente o regenerador, de Teixeira de Sousa, regenerador-liberal, de Vasconcelos Porto, e progressista, de Luciano de Castro. Foram exemplos disso o comendador Ferreira Neto, Manuel Martins Caiado, Francisco de Paula Mendonça e o Dr. Alexandre Pereira d’ Assis… Não deixa de ser engraçado que no mesmo século assistamos a várias mudanças de placas... Reatemos agora com as eleições para a Constituinte (28 de Maio de 1911), o que vínhamos referindo sobre actos eleitorais no princípio do século. As eleições em apreço decorreram já sob a égide da Lei Eleitoral de 1911, que, para além de ter abolido a base censitária das anteriores, foi pouco inovadora, concedendo o direito de voto aos cidadãos maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever ou que fossem que chefes de família há mais de um ano. Os círculos eleitorais passaram a ser 65 (incluindo colónias), cabendo dois ao Algarve - Faro (círc. 46) e Silves (círc. 47). Entre os candidatos destacavam-se o capitão-tenente Mendes Cabeçadas e o Eng. António Maria da Silva, que tinham sido protagonistas da implantação da República, movimento em que o primeiro comandara o cruzador S. Rafael, onde fora pela primeira vez hasteada a bandeira republicana, e em que o segundo participara activamente, como figura importante da Carbonária e da Junta Revolucionária. A candidatura destes dois políticos tinha sido proposta pelo Dr. Marreiros Neto, no decorrer duma sessão pública em que os louletanos homenagearam o seu conterrâneo e proclamaram António Maria da Silva como louletano adoptivo, acto que o sensibilizaram bastante. O Eng. António Maria da Silva recordaria com saudade essa campanha eleitoral, em que praticamente só se apresentaram candidatos do PRP e em que foram eleitos pelo círculo de Silves o capitão-tenente Mendes Cabeçadas, o Eng. António Maria da Silva, o major Alberto da Silveira e o Dr. José Maria de Pádua e pelo de Faro o capitão-tenente Stockler, o capitão Tomás Cabreira e os Drs. Estêvão de Vasconcelos e Celorico Gil 1. Os candidatos tinham sido oficialmente designados numa reunião das comissões de toda a Província, numa série de comícios políticos em Messines, Silves, Portimão, Alcoutim, Faro, Santa Bárbara de Nexe... Como nota curiosa (curiosa para nós, hoje) respigamos de uma local que um comício realizado no dia 26 de Maio, no Teatro Circo, em Faro, terminou com todo o público de pé a escutar a Marselhesa, executada ao piano pelo maestro daquela casa de espectáculos. 1 - SILVA, António Maria - O Meu Depoimento, Pub. Europa-América, Lisboa, 1981, p.33. APONTAMENTOS SOBRE O SÉCULO VINTE ALGARVIO (XX) O séc. XX português apresenta alguns casos de que pouco se tem falado, como, por exemplo, combates que, com conhecimento do Governo Português da época, tiveram lugar no espaço aéreo nacional entre forças da Alemanha nazi e dos aliados, designadamente do Reino Unido. Se nos ativermos apenas ao período da II Guerra Mundial (1939/1945), em que no espaço ibérico se passavam algumas situações dissonantes, com a Espanha a sair da Guerra Civil, em que as tropas “nacionalistas” de Franco receberam aberta colaboração da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, enquanto Portugal se apresentava como neutral (neutralidade de difícil compreensão). O fenómeno da nossa neutralidade é muito discutível, pois Portugal manteve comércio com as duas partes em conflito durante a maior parte da sua duração, mas tal facto não era abertamente ventilado junto da nossa opinião pública mercê da forte censura à imprensa que o regime salazarista tinha em vigor. De tal forma os assuntos eram censurados e tratados confidencialmente que só muitos anos após a queda do regime começaram a ser objecto de pesquisa, estudo e publicação e a servir inclusivamente de tema para trabalhos académicos de mérito. As nossas águas territoriais e o nosso espaço aéreo eram escandalosamente devassados e foram palco de combates a que, como é óbvio, só nos referiremos quando tiveram por cenário o Algarve, em cujos céus era frequente ver formações de aviões extraordinariamente grandes para ser de excluir a hipótese de que fossem aparelhos nacionais, outro tanto acontecendo com as armadas que a olho nu se viam circular nas nossas costas. O movimento das esquadras britânicas intensificou-se após a derrota de Rommel no Norte de Africa, o que deixava mais vulneráveis as costas italianas e muito mais fácil a circulação no Mediterrâneo, espaço cujo acesso estava nas mãos dos britânicos que dominavam Gibraltar e o respectivo Estreito. É sobre a circulação nas nossas costas e a alguns combates que nelas tiveram lugar e que ainda hoje estão documentadas pelas campas de soldados alemães no cemitério de Aljezur. * Lic. em Sociologia APONTAMENTOS SOBRE O SÉCULO VINTE ALGARVIO (XXI) Dentro do esquema de ataques que as forças beligerantes (Alemanha e Aliados) vinham desenvolvendo em terra e mar portugueses, em completo desrespeito pelo nosso apregoado estatuto de neutralidade, no dia 9 de Julho de 1943 um comboio de 25 navios da armada britânica foi interceptado por uma esquadrilha alemã de quatro aviões Focke-Wulf. A esquadra inglesa deslocava-se ao longo da chamada Costa Vicentina, dentro das nossas águas territoriais, e foi atacada entre Sines e o Cabo de São Vicente e obteve como resposta o ataque dos Spitfires ingleses que escoltavam os navios, acabando por atingir por baixo um dos aparelhos da aviação nazi que explodiu no ar, despenhando-se numa falésia próxima da ponta da Atalaia, perto de Aljezur. Veio a verificar-se depois que a tripulação da aeronave alemã era constituída por sete militares – o tenente Gunther Nicolaus (comandante), os sargentos Hans Weigert, Walter Beck, Martin Angerman, Johann Bauer e Werner Riecke e o cabo Ernst Herppich, todos jovens entre os 22 e os 26 anos (1) de idade, cujos restos mortais repousam no cemitério a vila sotaventina. O que veio depois a saber-se é que os alemães tinham um espião colocado no Cabo de S. Vicente – o primeiro-sargento de máquinas Garcia Regêncio. Aquele militar dispunha de um rádio clandestino através do qual informava a legação alemã em Lisboa logo que os navios aliados dobravam o Cabo, o que permitia aos diplomatas alemães com uma sua base no Sul da França de onde saíam imediatamente os aviões CONDOR como os que em Julho de 1943 participaram no combate que ficaria conhecido por “Batalha de Aljezur”. (1) - WILHELM, Doutor Axel – “Soldados Alemães Sepultados em Aljezur”, em Espaço Cultural, nº. 5, C.M. de Aljezur, 1990; |
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