quinta-feira, dezembro 13, 2007

Maçonaria no Algarve

PROCURANDO NO PASSADO
APONTAMENTOS SOBRE O SÉCULO VINTE ALGARVIO
por Libertário Viegas



I

Não podemos estar sempre a falar do mesmo período histórico. Por isso vamos variar. Hoje vamos aflorar as muitas personalidades, algarvias ou não, que durante a Primeira República estiveram ligadas à política regional e à Maçonaria, que, nessa altura, era muito importante na esfera governativa e que, bastando ver o que se passa, com a emergência de obediências diversas, não pode considerar-se uma instituição monolítica.


De 1910 a 1926 metade dos parlamentares, governantes e três Presidentes da República - Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida - pertenceram à Maçonaria. Cinco elementos do Governo Provisório (entre oito) eram maçons - António José de Almeida (Interior), iniciado em 1907 na loja Montanha, com o nome simbólico de Álvaro Vaz de Almada e eleito Grão - Mestre do Grande Oriente Lusitano em 1929, não chegou a assumir o cargo por motivo de doença que acabaria por vitimá-lo; - Afonso Costa (Justiça), iniciado em 1905, na loja Futuro, com o nome de Platão, alcançou o grau 33 e foi indigitado para Grão - Mestre do GOL no ano da sua morte, 1937; - José Relvas (Finanças) iniciado em 1911 na loja Acácia, com o nome de Beethoven; - António Xavier Barreto (Guerra), iniciado em 1898 na Loja Portugal, como Mercúrio, e Bernardino Machado (Negócios Estrangeiros), iniciado na loja Perseverança, em 1874, com o nome de Littré. Só não pertenciam à Maçonaria Teófilo Braga (Presidente do Governo) e o Ministro do Fomento, António Luís Gomes, mas o seu substituto - Brito Camacho - pertencia ao GOL tendo-se iniciado em 1893 no triângulo de Torres Novas.

Este período correspondeu grosso modo ao primeiro quarto do séc. XX, durante o qual Portugal teve cinquenta e sete governos, o que é excessivo mas que dependeu principalmente da interferência do Parlamento na vida governativa (fez cair vinte executivos por ninharias ).

Tal instabilidade era motivo de frequentes referências na imprensa local (nomeação e exoneração de governadores civis, por exemplo). Em relação aos últimos é antiga a preocupação de minimizar o seu papel e de extinguir o cargo . Esta questão recorrente tem quase um século.

De 1900 a 1910 a dança governamental foi entre progressistas e regeneradores, responsáveis pelos 13 governos que então existiram (média de governação de 290 dias cada). Entretanto, começavam a aparecer alguns eleitos republicanos como os que arrebataram os três lugares de deputados pelo Porto (Afonso Costa, Paulo Falcão e Xavier Esteves) ou os que ganharam eleições municipais, nomeadamente em Lisboa e Lagos.

Assim, tivemos seis Governos Progressistas, liderados por José Luciano de Castro (1899, 1904 e 1905), Campos Henriques (1908), Sebastião Teles (1909) e Veiga Beirão (1909); cinco Regeneradores, de Hintze Ribeiro (1900,1903 e 1906), Venceslau de Lima (1909) e Teixeira de Sousa (1910); um Regenerador-Liberal (o de João Franco, empossado em 1906) que depois virou Ditadura e, finalmente, um Independente, presidido por Ferreira do Amaral (1908).

O farense Sebastião Teles (n.1847), que fora ministro da Guerra nos governos de Luciano de Castro, acumulou aquela pasta no governo que chefiou.

General e político, autor de várias obras bem recebidas nos meios castrenses, Sebastião Teles implantou na zona do actual Hospital de Faro de uma carreira de tiro, em reconhecimento do que o Município deu o seu nome a uma rua do Bairro da Estação.

O patrono da rua paralela à Sebastião Teles era, antes de 5 de Outubro de 1910, José Luciano de Castro, que foi saneado em proveito Miguel Augusto Bombarda (1851/1910), médico, professor, escritor e político com notável acção na reforma do ensino da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e na direcção do Hospital de Rilhafoles, com grande prestígio no país e no estrangeiro.

Membro da Maçonaria, Miguel Bombarda fundou a Junta Liberal, muito activa na difusão dos ideais republicanos, e integrou o comité da Revolução de 5 de Outubro, mas não teve a felicidade de ver o triunfo da sua causa, porque poucas horas antes da eclosão do movimento pois foi assassinado por um louco no hospital que dirigia.

1 - OLIVEIRA MARQUES, A.H. (coord) - Nova História de Portugal, vol. XI, Lisboa, 1991, pp 429-437; 2 - OLIVEIRA MARQUES, A.H. (coord) - Parlamentares e Ministros da 1ª. República (1910-1926), Lisboa, 2000; 3 - OLIVEIRA MAROUES, A.H. - A Primeira República Portuguesa”, Livros Horizonte, Lisboa, 1975, pág. 86. 4 - OLIVEIRA MAROUES, A.H. - Nova História de Portugal, Editorial Presença, Lisboa, 1991, vol. XI, p.320.




II

Progressistas e Regeneradores foram a votos em 26 de Novembro de 1899, época em que o Algarve tinha sete círculos uninominais. Os Progressistas estavam no poder mas só ganha-ram em Loulé e Vila Real de Santo António, com Joaquim da Ponte e Frederico Ramires, enquanto os Regeneradores Ferreira de Almeida, João Franco, Pedro Gaivão, Figueiredo Masca-renhas e Mateus d’ Azevedo ganharam em Faro, Lagoa, Lagos, Silves e Tavira, respectivamente.


Ainda no período monárquico há algumas figuras políticas que convém reter, para além de Sebastião Teles, como, por exemplo, José Bento Ferreira d’Almeida (1847/1902) – Nascido em Faro, em prédio da Praça Ferreira d’Almeida (antes designada Terreiro da Cadeia, Largo da Cadeia, Praça Silva Porto e Largo da Palmeira). Este militar e político era dotado de espírito con-flituoso que o levou mesmo a agredir o Ministro da Marinha em pleno Parlamento.

Governador de Moçamedes, Deputado e Par do Reino, Ferreira d’Almeida, que foi Minis-tro da Marinha, em 1895, e, nessa qualidade, fundou em Faro a Escola de Alunos Marinheiros do Sul, caracterizou-se por atitudes tão díspares como a de propor às Cortes a venda de Moçambique (o que não foi muito bem aceite na época)ou a de abolir os castigos corporais que ainda estavam em uso na Armada. Para além da Praça, tem em Faro um obelisco (inaugurado em 1910), ao fundo da Praça D. Francisco Gomes. Outro farense importante foi João José da Silva Ferreira Neto (1856/1935), engenheiro agrónomo.

Político do Partido Regenerador, foi Deputado em várias legislaturas, presidente da Câmara Municipal de Faro (de 1890 a 1901) e governador civil (de 1901 a 1904 e em 1906).

Como reacção ao “ultimato inglês” e como presidente da Câmara retirou os seguros que a companhia inglesa detinha, proibiu a aquisição de material inglês e criou a Rua Serpa Pinto.

Foi um presidente de Câmara muito activo a quem se devem o lançamento de quase todas as estradas do concelho, uma série de iniciativas com reflexos na salubridade, como o abastecimento de águas e a construção do matadouro, a fundação do Museu Arqueológico e Lapidar e a colocação de um regimento na cidade.

Convidou os reis a visitar Faro em 9 de Outubro de 1897 e na recepção conseguiu de D. Carlos a promessa de conclusão do caminho de ferro de Faro a Vila Real de Santo António e de melhoramento dos principais portos, a começar pelo de Faro - Olhão.

A forma como recebeu os régios visitantes valeu-lhe o grau de comendador.

Quanto ao caminho de ferro, cujo prolongamento preparou enquanto autarca, o troço Faro/Olhão foi inaugurado em 1904, no primeiro período em que foi Governador Civil.

A Rua Ferreira Neto está ligada à sua memória Silva Ferreira Neto por ter ficado ligado ao período de grande desenvolvimento que a localidade conheceu na transição dos séculos. Mili-tou no Partido Regenerador, de cujo leader (Hintze Ribeiro) era amigo pessoal.




III

Entre as figuras importantes que no fim da Monarquia e da primeira República influenciaram a política regional, já falámos de Sebastião Teles, Ferreira d’Almeida e Ferreira Neto. Agora completamos as referências a Ferreira d’Almeida (1847/1902) e vamos ocupar-nos do louletano Marçal de Azevedo Pacheco (1847-1896), um político notável, cuja acção constituiu paradigma de autêntico louletanismo.
Em 1872, concluído o curso de Direito, em vez de abraçar a docência universitária para que o convidaram, optou por estabelecer-se em Loulé e rapidamente se tornou num dos melhores advogados algarvios. A actividade política de Marçal Pacheco desenvolveu-se entre 1874 e 1896, o que lhe permitiu desempenhar as funções de presidente da Câmara Municipal simultaneamente com as de deputado (por Macedo de Cavaleiros, Vila Real, Faro e Loulé), que exerceu desde 1876. Só deixou a Câmara quando, em 1891, foi elevado a Par do Reino vitalício. E a sua gestão municipal deixou marcas no concelho - foi ele que conseguiu as verbas para a abertura da avenida que sonhava lançar entre a “ponte de Faro” e o Largo de S. Francisco (ficou incompleta com a sua morte) e os subsídios estatais para dar vida nova ao Hospital da Misericórdia e para restaurar as igrejas de Alte, de Salir e da Ordem Terceira de S. Francisco. Foi particularmente activo na exigência de que o caminho de ferro passasse por Loulé, conseguindo que se iniciassem os estudos para rectificação da via, assunto que ficou esquecido com a sua morte, ainda que depois muito reivindicado (Raul R. Pinto e Estanco Louro.) Quanto a Ferreira d’Almeida queremos lembrar que foi ele que, em 12 de Fevereiro de 1900, “com algum bom senso e conhecimento das realidades” , apresentou na Câmara dos Deputados a proposta para venda das colónias portuguesas, à excepção de Angola e S. Tomé e Príncipe (aqui fica rectificado que não propunha apenas a venda de Moçambique, como por lapso afirmámos). A proposta, que visava arranjar fundos para desenvolver o País, nomeadamente as colónias sobrantes, e pagar a dívida externa, foi rejeitada, o que viria a tornar possível que passados setenta e cinco anos as colónias ascendessem à independência enquanto alegremente nós vamos alienando património para fazer face à dívida pública, que, tal como no fim do século XIX, continua a constituir problema bastante grave. Há quem veja na vida partidária deste político algarvio, que oscilou entre os Partidos Progressista e Regenerador, influências da sua filiação na Maçonaria, onde chegou ao 33º. Grau. ------------------------------------- 1 - FREITAS, Pedro - Quadros de Loulé Antigo (3ª. Edição), Câmara Municipal de Loulé, Loulé. 1991, p.299;

2 - PINTO, Raúl R. - Loulé; Roteiro-Guia Histórico, Turístico, Comercial e Industrial do Concelho. Loulé, 1951, pp.43-46;

3 - ESTANCO LOURO, Manuel Francisco - O Livro de Alportel, Lisboa, 1929, pp.152-155;

4 - OLIVEIRA MAROUES, A.H. - Nova História de Portugal, Editorial Presença, Lisboa, 1991, vol. XI,






IV

No Algarve, apesar de ter sido uma região de apreciável implantação maçónica, foi muito variável o número de oficinas (lojas e triângulos) - eram doze em 1906, quatro em 1909 e onze em 1913. De qualquer forma era natural que muitos políticos fossem daquela tendência. Comecemos pelos deputados que representaram o Algarve na Constituinte. Naquela época a região estava dividida em dois círculos eleitorais - o número 46 (Faro, Olhão, Tavira, V. Real de St.º António, Castro Marim e Alcoutim) e o número 47 (Silves, Loulé, Albufeira, Aljezur, Lagoa, Lagos, Monchique, Portimão e Vila do Bispo). No círculo de Faro, havia um maçon, o Capitão Tomás Cabreira (iniciado em 1893 na loja Portugal, com o nome simbólico de Solon, Tomás Cabreira foi duas vezes Presidente do Conselho da Ordem do GOL), dois membros da Carbonária (o Dr. António Caetano Celorico Gil e o Capitão-Tenente João Fiel Stockler), e apenas um sem filiação conhecida, o Dr. António Aresta Branco. Dos deputados pelo círculo de Silves o louletano Almirante José Mendes Cabeçadas Júnior, Eng. António Maria da Silva, Major Alberto Carlos da Silveira e Dr. José Maria de Pádua todos eram maçons como outros de cujo tratamento biográfico iremos ocupar-nos. Na nossa província existiam oficinas em Albufeira, Algoz, Faro, Lagoa, Lagos, Loulé, Messines, Silves, Tavira e Vila Real de Santo António, funcionando os triângulos Paderne e Pera em meio rural, o que não era frequente no País. O major lacobrigense Alberto Carlos da Silveira (1859-1927), iniciado em 1887 na loja União Independente, começou a exercer cargos políticos em 1911: - deputado e senador por Silves, ministro da Guerra nos Governos de João Chagas e Augusto de Vasconcelos, senador por Faro (1915-1921), deputado por Lisboa e novamente ministro da Guerra no elenco de Barros Queirós, para além de desempenhar os cargos da sua carreira militar, alcançando o generalato. Militou nos partidos Unionista e Liberal e teve como colegas de Governo três outros algarvios - Diogo Leote, Silvestre Falcão e José Estêvão de Vasconcelos. O médico e musicólogo olhanense José Maria de Pádua (1873-1924), maçon que exerceu altos cargos no Grande Oriente Lusitano, pertenceu ao PRP desde 1903 e foi dinâmico republicano. O Dr. José de Pádua, candidato mais votado do seu partido nas últimas eleições da Monarquia, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte pelo círculo de Silves e ascendeu de imediato ao Senado . Foi no exercício dessa sua militância que em 1908 presidiu ao primeiro comício realizado em Loulé no âmbito da campanha para as eleições de 5 de Abril desse ano. O comício teve lugar perto da fonte do Cadoiço, e usaram da palavra Vitorino Mealha e Francisco Fernandes Costa, este último candidato do PRP pelo círculo algarvio. Mais adiante havemos de referir-nos a estas duas personalidades. Dos outros dois oradores do comício só Vitorino Mealha (1877-1946) teve actuação política ao nível da província. Natural de Silves, licenciado em Direito e com passagem pelo semanário “O Silvense”, de que foi director, João Vitorino Mealha foi deputado por Silves e Viseu e governador civil de Faro (1921). Francisco Fernandes Costa (1867-1925), com a episódica ligação ao Algarve através da sua candidatura, foi sem dúvida o mais importante dos políticos citados. Natural da Lousã, formado em Direito pela Universidade de Coimbra, cidade onde exerceu a advocacia e a docência no ensino liceal antes de enveredar por uma multifacetada carreira política - Governador Civil, Deputado por Coimbra e Arganil, Ministro da Marinha, do Fomento, da Agricultura, do Comércio, das Finanças e, fugazmente, Chefe do Governo - em que serviu os partidos Republicano, Liberal e Nacionalista. Para além do mais, Fernandes Costa foi membro importante da Carbonária e da Maçonaria (iniciado em 1901 na loja Portugal, com o nome simbólico de Gomes Freire).





V

A Primeira República foi palco do aparecimento de vários partidos políticos e de variadas obediências maçónicas.
Em 1911 o PRP deu origem a três novos partidos - Democrático, Evolucionista e Unionista, sob a chefia de Afonso Costa, António José de Almeida e Brito Camacho, respectivamente, todos eles membros da Maçonaria (iniciados nas lojas Futuro e Montanha, os dois primeiros, e no triângulo de Torres Novas, o terceiro). No meio de todas as divisões vários outros grupos e grupelhos reforçavam ressentimentos e ódios políticos. No período que antecedeu o sidonismo, assistimos a uma dança incrível. Depois de no Governo Provisório ter havido hegemonia do PRP ainda unido, tivemos de Setembro de 1911 a Janeiro de 1913 três governos de “concentração” almeidista - camachista (os de João Chagas, Augusto Vasconcelos e Duarte Leite) que passageiramente eclipsaram Afonso Costa e Bernardino Machado. Por seu turno o Algarve teve três governadores civis (Zacarias Guerreiro, Júlio César Rosallis e Paulino de Andrade) que se identificavam com as mudanças governamentais. O primeiro era partidário dos Democráticos e o terceiro um oficial da GNR, enquanto Rosallis era dirigente destacado do Partido Evolucionista, a cuja comissão organizadora presidira. Aquele governador civil viria a pedir a exoneração em consequência de um acto arbitrário de um algarvio, o Dr. Silvestre Falcão, que na altura era Ministro do Interior. Ainda que voltemos ao assunto, vamos terminar o nosso artigo de hoje referindo a figura de um político louletano também envolvido nesta andança de figuras públicas. Trata-se do advogado Luís de Sousa Faísca, o segundo presidente da Câmara de Loulé a seguir à implantação da República (o primeiro foi José da Costa Ascensão). Luís de Sousa Faísca, membro do Partido Democrático, viria a ser ainda governador civil de Faro nos anos de 1921 e 1922, em que os Governos foram presididos por políticos ligados ou próximos do seu partido (Liberato Pinto, Bernardino Machado, Maia Pinto e António Maria da Silva) e da Maçonaria. Finalmente, em 1925 foi eleito Deputado pelo círculo de Silves.




VI

Em apontamentos anteriores ao falarmos do Almirante Cabeçadas, que, para além do mais, foi deputado à Assembleia Constituinte de 1911 pelo círculo de Silves, onde se incluía Loulé, não demos suficiente relevo àquela figura política algarvia.
É o que vamos tentar fazer agora. Mendes Cabeçadas, louletano que deixou marca na vida política do século passado, pertenceu também à Maçonaria, com o nome simbólico de Adamastor e pela sua acção merece amplamente que lhe dediquemos o nosso apontamento de hoje. José Mendes Cabeçadas Júnior, filho de José Mendes Cabeçadas e de Maria da Graça Cabeçadas (n. Loulé, 19 de Agosto de 1883; f. Lisboa, 11 de Junho de 1965). Cursou nas Escolas Politécnica e Naval de Lisboa, seguindo a carreira de oficial de Marinha, onde alcançou o posto de vice-almirante. Teve papel de grande relevo no “Cinco de Outubro”, pertencendo ao comité revolucionário da Marinha. Nessa estrutura revolucionária foi companheiro de um outro algarvio e republicano convicto - o olhanense José Carlos da Maia. Na noite de 3 para 4 de Outubro de 1910 o nosso conterrâneo, então capitão-tenente, assumiu o comando do cruzador S. Rafael, onde pela primeira vez foi hasteada a bandeira da República. Para além de deputado por Silves (1911-1915) e por Aljustrel (1915-1917 e 1921), Mendes Cabeçadas foi governador civil do distrito de Faro em 1919 e 1923. Este distinto militar esteve sempre do lado da revolta quando, a seu ver, a política portuguesa mergulhava no atoleiro, como no movimento político-militar de 19 de Julho de 1925 que dirigiu a partir do Vasco da Gama. Gorados os apoios prometidos, o capitão-de-fragata rendeu-se mas assumindo por inteiro a responsabilidade da rebelião. Vamos encontrá-lo depois no levantamento militar do 28 de Maio de 1926, que rapidamente passou a revolução e a ditadura e que a princípio foi essencialmente feito contra o Partido Democrático. Albergando várias tendências, resumidamente afirmar o golpe assentava numa alternativa – reforma da ordem política vigente ou ruptura, posições que tinham como figuras mais representativas Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa. Em 30 de Maio o Presidente Bernardino Machado aceitou a demissão de António Maria da Silva, encarregou Mendes Cabeçadas de formar Governo e no dia seguinte renunciou ao cargo, entregando-lhe todos os poderes. Além da Presidência, Cabeçadas detinha também a pasta do Interior, enquanto Gomes da Costa e Carmona se ocupavam, respectivamente, da Guerra e das Colónias e Negócios Estrangeiros. A transição foi fértil em desencontros de bastidores. Enquanto Mendes Cabeçadas pertencia à conspiração desde as primeiras horas, Gomes da Costa só se integrou nela a 25 de Maio e Carmona só no dia 30 embarcou no Movimento. Num cenário destes era aceitável que os triúnviros se afastassem. Em 17 de Junho Gomes da Costa afastou Mendes Cabeçadas e em 9 de Julho Carmona, aproveitando o golpe monárquico de Sinel de Cordes, mandou Gomes da Costa para Angra e inaugurou uma moda em uso até aos nossos dias – promoveu-o a Marechal. Carmona, também ele iniciado na Maçonaria (pelo triângulo de Chaves), que era quem mais garantias dava à direita, presidiu à ditadura militar até que fizeram dele Presidente da República.




VII

Antes de nos ocuparmos do militar e político olhanense José Carlos da Maia vamos continuar a falar de José Mendes Cabeçadas Júnior, que apesar de ter sido inequivocamente um dos responsáveis pelo 28 de Maio de 1926 e o primeiro que depois disso assumiu a chefia do Governo, foi destituído em 17 de Junho por Gomes da Costa.

Acusavam-no de estar mais interessado em reformar o sistema de partidos do que em suprimi-lo.

Foi assim que se criou mais um opositor à Ditadura e ao Estado Novo, curiosamente a pessoa que convidou Salazar a desempenhar pela primeira vez o cargo de ministro das finanças (3 a 17. Junho.1926).

Foi, aliás, outro louletano (Duarte Pacheco) a convencer Salazar a aceitar novamente aquela pasta no primeiro elenco governamental de Vicente de Freitas. A partir de então (1932) Salazar tomou tal gosto pelo poder que nunca mais o deixaria.

Quanto a Cabeçadas, vemo-lo com o general Norton de Matos (estadista e militar iniciado na Maçonaria, com o nome simbólico de Danton, na Loja Pátria e Liberdade e que chegaria a Grão-Mestre do GOL) a fundar a Aliança Republicana e Socialista, agrupamento político tolerado até à insurreição de Julho de 1931.

O nosso conterrâneo, presidente da Junta Militar de Libertação Nacional, participou em todas as manifestações unitárias antifascistas dos anos quarenta (sublevações de 10 de Outubro de 1946 e de 10 de Abril de 1947) por virtude das quais foi preso, julgado em Tribunal Militar e passado à reforma compulsiva.

Estávamos numa época (finais da segunda guerra mundial) em que as Forças Armadas começaram a agitar-se com a finalidade de derrubar Salazar, crendo-se inclusivamente que o General Carmona estava na disposição de o dispensar.





VIII


Em apontamento anterior prometemos falar do grande militar e político olhanense José Carlos da Maia (n. Olhão, 1878; f. Lisboa, 1921) desde muito cedo um político muito interessado. Era oficial de Marinha (chegou a capitão de fragata) e membro da Maçonaria (iniciado em 1907, na Loja Solidariedade, sob o nome simbólico de João Afonso). Integrando o comité revolucionário da sua Arma no 5 de Outubro de 1910, onde ombreou com Mendes Cabeçadas e Machado Santos, foi depois da implantação da república Deputado por Lisboa (1911), Governador de Macau (1914/16) e Ministro da Marinha em dois Governos de Sidónio Pais (1918) e das Colónias no Governo de José Relvas. A sua intervenção pública nos vários cargos que desempenhou e que terá sido foi responsável pela sua morte foi considerada notável, nomeadamente por Machado Santos que o considerou como “uma das mais brilhantes da Revolução”. Para além de ter participado no assalto ao Quartel dos Marinheiros de Alcântara, o militar algarvio, então capitão tenente, tomou o cruzador D. Carlos, o mais poderoso da armada portuguesa, feito que contribuiu de forma decisiva para modificar a favor dos republicanos a correlação das forças em confronto. A intervenção de Carlos da Maia em dois elencos governamentais foi necessariamente curta (de 5 de Outubro de 1910 a 30 de Maio de 1926 tivemos quarenta e três governos). Concretamente, Carlos da Maia foi ministro da Marinha (Março a Setembro de 1918), com Sidónio Pais, e das Colónias (de Janeiro a Março de 1919), com José Relvas, tendo contribuído para uma profunda reestruturação no primeiro daqueles ministérios. A situação política em que Carlos da Maia foi ministro foi criada por Sidónio Pais no seguimento da participação de Portugal na I Grande Guerra, conjuntura que acarretou uma série de dificuldades ao dia a dia das pessoas, sobretudo as das classes inferiores, com a escassez dos géneros alimentícios, o racionamento e a fome. O Povo, como noutras épocas da nossa História, não compreendia as razões da guerra nem da nossa participação nela, pelo que, estimulado por algumas forças partidárias, nomeadamente unionistas e monárquicos, começou a exigir que não fosse enviado nem mais um soldado para França ou para Moçambique. A demagogia e impopularidade do Governo de Afonso Costa, o seu crescente desgaste e os elevados gastos de guerra, levaram à revolta de 5 de Dezembro de 1917, movimento em que participaram muitas unidades militares que se encontravam de partida para França (como Infantaria 33, de Faro). Este movimento, que fez mais de uma centena de mortos, deu origem a uma ditadura militar sob a égide de Sidónio Pais, que no ano seguinte se fez eleger Presidente da República num acto eleitoral em que os três maiores partidos se recusaram participar. Apoiado cada vez mais em forças de direita (alta burguesia, clero e monárquicos) Sidónio acabou por ser abatido na estação do Rossio, em Lisboa, a 14 de Dezembro de 1918. Seguiu-se um período social e politicamente muito confuso, em que, para evitar a guerra civil, houve que recorrer a governos de coligação, num dos quais participou aquele nosso comprovinciano. As coligações, imperiosas porque os democráticos não conseguiam maiorias absolutas, eram incapazes de erradicar a instabilidade, objectivo que a certa altura julgaram possível através do aumento da capacidade humana e material da Guarda Republicana. Mas o que foi, em princípio, uma tentativa para dotar os governantes de alguma segurança redundou no contrário já que a GNR ficou com força bastante para pôr e depor governos (só em 1920 houve sete). A situação piorou e conduziu à revolução radical de 19 de Outubro de 1921, que conduziu à demissão do segundo governo de António Granjo. Na noite de desordem incontrolável (ficaria tristemente designada por “noite sangrenta”) que se lhe seguiu foram assassinadas várias figuras públicas consideradas conservadoras, designadamente António Granjo, Carlos da Maia e Machado dos Santos. Foi deste modo trágico que acabou a vida do militar e político olhanense Carlos da Maia.




Fonte

1 comentário:

Lisboa Cidade Portuguesa disse...

Os blogues "Terra Portuguesa",desejam umas boas festas aos nossos camaradas do blogue "Conistorgis"

Saudações Nacionalistas.