domingo, novembro 05, 2006

«ESTADO É UM VERDADEIRO ABORTO»

França Gomes critica abertura de clínicas para a prática do aborto quando o Estado tira subsí dios aos doentes e inválidos...


«ESTADO É UM VERDADEIRO ABORTO»



O presidente do Conselho Distrital da Madeira da Ordem dos Médicos é fortemente crítico em relação às medidas que estão a ser tomadas pelo Governo central na área da saúde. Assumidamente contra o aborto, reprova o fecho de maternidades, hospitais e serviços de urgência e a abertura de clínicas para abortos, subsidiadas pelo Estado.


«O Estado não subsidia os doentes e os inválidos, tira as reformas à terceira idade, põe-nos a pagar impostos e medicamentos mais caros e, por outro lado, vai fazer abortos de borla», acusa.
França Gomes considera que com a implementação das taxas moderadoras «os portugueses vão passar a pagar para estar doentes». Mais do que isso, diz que o Executivo pode contribuir para que os portugueses fiquem «mais doentes».






Jornal da Madeira — O Governo aprovou a realização de um segundo referendo sobre o aborto. Qual a sua opinião sobre esta matéria?


França Gomes — Acho que esse é um falso problema. O aborto é um problema de consciência individual, mas também de consciência colectiva. Qualquer que seja a sondagem ou o resultado do referendo, a consciência colectiva portuguesa é católica, pelo que a sua perspectiva será anti-aborto.

Mas há a consciência individual. Cabe a cada pessoa fazer a sua própria leitura sobre o aborto. Por outro lado, existe ainda a vertente política da questão. As tendências esquerdistas são sempre mais pró-aborto e, neste momento, como é moda ser de esquerda em Portugal, é natural que se levante o problema do aborto.

Digo que o problema é falso, porque a lei actual já permite a prática do aborto em casos de violação, quando a vida da mãe está em risco e quando o feto é comprovadamente doente, com patologias graves ou não tratáveis. Tirando estas três circunstâncias, não vejo outra razão que justifique o recurso ao aborto, a menos que seja uma mulher que faça sexo hoje e queira abortar amanhã, o que não é plausível.





JM — A lei deve continuar como está?

FG — Penso que a lei como está, está muito bem. É uma lei perfeitamente lógica e que contempla os casos em que é necessário o aborto. Mas o problema que se põe neste momento é que estamos num país em que o Governo deixou de comparticipar a contracepção. Deixou de haver comparticipação para a contracepção oral, deixou de haver o fornecimento de preservativos gratuitos nos centros de saúde, deixou de haver a introdução de dispositivos intra-uterinos gratuitos e, mais grave que isso, deixou de haver a gratituidade para os doentes com HIV positivo ou para os doentes cancerosos. Depois, vê-se esse mesmo Estado, que não faz a contracepção oral, que não dá gratituidade de medicação aos cancerosos e aos doentes com Sida, fazer abortos gratuitos.




Governo tem atitude «hiper-demagógica»






JM — Como classifica essa atitude?

FG — É hiper-demagógica, até porque em termos políticos, quando se agita a bandeira de essa ter sido uma promessa política nas eleições, depois das mentiras e de todas as promessas que não foram cumpridas e que foram deturpadas, era melhor que continuassem pela mentira. Uma das coisas que os esquerdistas, isto é, os homens da moda, costumam dizer, é que quando há fecundação ainda não há vida e, como tal, pode-se abortar a torto e a direito. Mas, quando se fala em procriação assistida, em implantação de óvulos no útero e em fecundação “in vitro”, aí há vida, mesmo para esses esquerdistas. Para eles, a definição de vida num dia é uma e no outro dia é outra.






JM — Mas um feto com dez semanas é, efectivamente, considerado vida?

FG — Sim. Nesse aspecto não há discussão. Mas, voltando à questão, a maneira como o aborto vai ser posto, faz com que as mulheres que cheguem ao hospital, de repente a dizer que querem abortar, passem imediatamente à frente de outras cirurgias que podem ser mais prioritárias. E há ainda uma terceira face da questão. Ainda não se sabe qual será o resultado do referendo, mas, não só o ministro da saúde já se propõe a preparar clínicas e hospitais para fazer abortos, como se propõe aceitar que clínicas espanholas abram em Portugal para esse efeito, já em Janeiro. É estranho, não é?





Estado é que é «um verdadeiro aborto»


JM — Como se explica o fecho de uns estabelecimentos de saúde e se abre outros para esta prática?

FG — Fecham-se maternidades, hospitais e serviços de urgência e abrem-se clínicas para abortos, subsidiadas pelo Estado. O Estado não subsidia os doentes e os inválidos, tira as reformas à terceira idade, põe-nos a pagar impostos e medicamentos mais caros e, por outro lado, vai fazer abortos de borla. Penso que esta atitude é que é um verdadeiro aborto. O Estado é que é um verdadeiro aborto.




JM — Acha que a moda de que falava atrás vai prevalecer no resultado do referendo?

FG — Temo que sim. Os portugueses estão fartos destas coisas. Se houvesse alguma justiça, tínhamos era de aceitar o referendo que já foi feito, porque foi válido, democrático e universal. O querer fazer um segundo referendo é uma falta de democracia. É estalinismo, porque é querer obrigar a que se vá tomar uma determinada decisão.







JM — Acha portanto que o Governo está a querer levar a sua ideia avante, uma vez que na primeira consulta não foi atingido o resultado desejado?

FG — Exactamente. No fundo, é isso que se pretende. A tal "esquerda democrática" já anunciou que se o referendo for negativo, vai propor que se resolva o problema na Assembleia da República, no sentido de liberalizar o aborto. Quando o problema do país se torna no aborto e se faz disso uma bandeira eleitoral, merecemos, de facto, ser os últimos da Europa.





Portugueses vão pagar para estar doentes






JM — Como vê a questão das taxas moderadoras, apesar de o Governo Regional já ter afirmado que não serão aplicadas?

FG — Na prática, com estas taxas moderadoras, os portugueses vão passar a pagar para estar doentes, porque o Estado abdica completamente de qualquer apoio aos portugueses. Quando o senhor ministro, ignobilmente, diz que são apenas cinco euros e que é um valor simbólico, infelizmente, para os portugueses, não é assim tão simbólico. Com cinco euros ainda se compra alguma massa e algum pão, que ainda continuam a ser, infelizmente, a alimentação única dos portugueses. O que é lamentável é que os portugueses ainda não se tenham apercebido disto.
Acho que, neste momento, estamos a ter um capitalismo de Estado, que na prática é o comunismo, o estalinismo.



O nosso primeiro-ministro chama-se José Sócrates, mas devia chamar-se José Estaline. (hehehe)



Estamos a caminhar para um capitalismo de Estado, em que o Estado diz que está a poupar, mas, na prática, está a ter uma despesa corrente muito grande e está a tirar aos portugueses aquilo que até agora tinham. Este Governo insiste em descredibilizar a própria sociedade. É o ataque aos professores, que é mirabolante, é o ataque aos juízes e ao Ministério Público e é a descredibilização dos polícias e dos militares. Além disso, há ainda a descredibilização da Igreja. Contudo, quando algum papa vier a Fátima, os ministros irão lá todos levar flores e velas, que é a tal hipocrisia própria dos portugueses, principalmente dos Governos e das esquerdas.







JM — Acha que este Governo da República é hipócrita?

FG — Completamente. No mínimo cem por cento, já que a dívida portuguesa é de duzentos por cento. O Governo não está a resolver o problema dos portugueses, mas o problema de Portugal perante Bruxelas. Os verdadeiros problemas dos portugueses ainda não foram resolvidos. Pelo contrário, estão a ser desresolvidos. Acho que não se fez nada em prol dos portugueses.







JM — Com todas as medidas que têm vindo a ser implementadas, em que Estado é que o Governo deixou o sector da saúde?

FG — Ainda é cedo para poder avaliar. É preciso que se diga que a grande crise que estamos a pagar agora não foi causada nem pelo doutor Santana Lopes, nem pelo doutor Durão Barroso, mas pelo engenheiro Guterres, porque foi ele que, para manter o seu carisma e não forçar eleições nem baixar sondagens, não quis aumentar a gasolina e outros bens, o que foi a razão que levou o professor Sousa Franco a sair do Governo nessa altura. São estas pequenas coisas que nos levam à situação actual. A situação actual foi criada pelos mesmos que lá estão. Quando as pessoas não têm currículo e acabaram o curso e entraram directamente para a política, é fácil ver o que fizeram ou não. Penso que esse é um dos problemas do actual Governo. Ou há pessoas sem currículo nenhum, como é o caso do primeiro-ministro, ou então as pessoas têm muito currículo, como o ministro da saúde, e depois não têm tempo para viver o dia-a-dia e decidem tudo em gabinete. Temo que o que se está a fazer à saúde em Portugal é decidir muito em gabinete, o que pode levar a que as consequências sejam graves na prática. Perante o pagamento de uma taxa moderadora para ser internado e ser operado, os portugueses, como não têm dinheiro e precisam dele para comprar bens alimentares, vão gastar o tal valor simbólico para comprar esses mesmos bens e vão adiar o tratamento. Depois, quando chegam ao hospital, já estão numa fase de desenvolvimento da doença em que vão gastar muito mais.





JM — É caso para dizer que o Governo vai fazer adoecer os portugueses?

FG — Penso que se corre esse risco, porque as pessoas não vão celeremente a correr para os hospitais e para os médicos, por causa do problema da poupança, e, portanto, isso pode levar a que fiquem mais doentes do que já estão.




«A situação corre o risco de piorar. Estamos nas mãos de Bruxelas e é óbvio que Bruxelas quer que sejamos um país de serviços para eles. Se vão dar algum dinheiro para fazer o TGV, que é uma estupidez, de certeza que não é para os portugueses andarem nele, porque não têm dinheiro para isso. É para os outros entrarem. As auto-estradas que foram feitas são também para os outros entrarem rapidamente com os seus produtos, particularmente os espanhóis. Estamos a correr o risco de nos transformarmos numa província espanhola. A nossa autodeterminação enquanto país está a ser hipotecada. Estamos a ficar socialmente cada vez mais longe de todos os europeus. Deixo uma reflexão: É que talvez os médicos formados daqui a dez anos prefiram ir para Espanha ou para França acartar blocos e areia, em vez de trabalharem em Portugal como médicos, à semelhança do que se passa com alguns imigrantes».

«É mais um símbolo do estalinismo e do capitalismo de Estado» Entidade Reguladora «deve ser atingida pela lei»



Confrontado com o facto de as Ordens dos Médicos, Enfermeiros e Farmacêuticos terem reivindicado, junto do presidente da Assembleia da República, a extinção da Entidade Reguladora Saúde, o presidente do Conselho Distrital da Madeira da ordem dos Médicos referiu que este organismo «deve ser a primeira entidade a ser atingida pela lei do aborto».

Para França Gomes, a Entidade Reguladora da Saúde não se justifica, até porque «é mais símbolo do estalinismo e do capitalismo de Estado».






«O Estado reconhece a Ordem dos Médicos e as outras como reguladoras nas suas áreas e aprovou, por larga maioria, a lei do acto médico, que só não está em vigor porque o ex-presidente da República, Jorge Sampaio, resolveu metê-la na gaveta», disse, para justificar a posição de que a Entidade Reguladora deveria ser extinta. Por outro lado, o nosso interlocutor considerou contraditória a existência da Entidade Reguladora, numa altura em que o Estado pede contenção. «É mais um organismo com mais uns funcionários públicos, aos quais o Governo tem tanta aversão», sustentou.





Executivo pensa em termos macroeconómicos



Questionado sobre se, de algum modo a carreira médica está ameaçada, devido às medidas que têm vindo a ser implementadas, França Gomes sublinhou que é preciso ter em conta duas vertentes distintas: a regional e a nacional. «Neste momento, ao nível nacional, levantam-se algumas ondas de descontentamento, por alterações que estão a ser feitas nos salários, nos horários de trabalho e em todo o sistema de prestação de serviço por parte dos médicos. Na Madeira, até ao momento, nada foi falado em sentido contrário e presume-se que tudo se manterá como até aqui», disse.

No seu entender, o grande problema é que «o Governo está a pensar em termos macro-económicos» e «está a tentar interpretar a saúde como uma fonte de gastos que tem de dar lucro e não está a pensar na parte humanista da questão». É que, disse ainda, «quanto menos doentes tivermos, mais trabalhadores vamos ter para aumentar a produtividade e a riqueza do país».






Governo central contribui para a desertificação


Para o presidente do Conselho Distrital da Madeira da Ordem dos Médicos, com a reorganização dos serviços de urgência e de várias unidades de saúde que está a ocorrer em Portugal, o Governo está a contribuir para a desertificação do país, uma vez que as pessoas terão de se deslocar para o litoral. Além disso, critica o facto de muitas crianças nascerem em Espanha. Para França Gomes, esta medida «é mais uma coisa decidida pelos números e pelos gabinetes».




Distribuição dos médicos tem falhas




A questão do número de médicos é frequentemente abordada. De acordo com França Gomes, em termos de médico por habitante, «nós temos um rácio muito bom, especialmente na Madeira, que é de um médico para menos de 500 habitantes». No entender deste responsável, o problema é a distribuição destes profissionais, que «não está bem em termos de especialidades», uma vez que «há lacunas nalgumas especialidades e excessos noutras». A medicina geral e familiar é aquela em que há mais falta.


Ricardo Caldeira

Sem comentários: