Não, não é cansaço...
Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...
Álvaro de Campos
Analise:
Ele fala do cansaço assumido como coisa em si mesma, sem já ser condição. Este tédio soa muito a desapontamento, a conclusões falhadas, objectivos não atingidos.
Aqui Campos ironiza com aqueles que pretendem ter maiores pretensões do que aquelas que ele acha possível. Há quem ame o infinito - os amantes do conhecimento, os filósofos e os religiosos; há quem deseje o impossivel - os sonhadores, os ambiciosos; há quem não queira nada - os pessimistas, os humildes. Todos eles - segundo Campos - erram, por serem idealistas.
Ele ama infinitamente o finito - ou seja, quer tudo no nada, quer a compreensão subtil do desconhecido - quer o paradoxo, inatingível, mas contínuo na sua loucura.
Campos-Pessoa está cansado por não ter atingido o que para os outros é tão fácil, porque os outros não duvidam, são empreendedores, mesmo quando nada desejam. Deixam.se à vida, serenos ou irados, mas completos, humanos, que vivem e que morrem sem perguntas. Campos-Pessoa não é um ser assim, pois em si mesmo rumina uma intensa intranquilidade, que ele justifica como cansaço, não-agir, em razão de não aceitar o seu fracasso no mundo."
E eu sinto-me um pouco assim...
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